terça-feira, 26 de março de 2013

Estante de Pandora - Medéia

“(...) Vim pedir ódio. Vim pedir a coragem da vingança. Vingança é o único alento do oprimido, sua única esperança! (...) Gosto de sangue na minha boca. O homem pai dos meus filhos, que ajudei com a minha juventude, vai se casar com outra. Ele viajou seis meses, voltou, não deu sinal, foi na boca anônima que eu ouvi que ele ia se casar – pelo meu homem confiei nesta vida tão sobressaltada e agora eis-me abandonada, com dois filhos, sem dinheiro, sem parente para me receber e chorar minha raiva mais do que eu. (...) Eu já estou morta. Mas a morte só não basta. Eu quero o vento da desgraça”. (Medéia, Eurípides, p.135)

Até onde vai a ira de uma mulher desprezada? Há vingança maior do que tirar de um homem sua descendência?

Depois de 10 anos vivendo em Corinto, Jasão repudiou Medéia para casar-se com Glauce, filha do rei Creonte. A feiticeira, filha do Rei Eetes, depois de ajudar Jasão, contra os interesses do próprio pai, a obter o Velocino de Ouro, deixara sua pátria e família para segui-lo a Corinto.

A peça de Eurípides começa neste ponto, quando, ao saber da traição do esposo, Medéia não levanta a fronte, não tira os olhos do chão, não se alimenta, se abandona à dor, se consome em lágrimas e ouve as consolações dos amigos, dura como um rochedo. “Aquele que era tudo para mim, meu esposo, se tornou o mais pérfido dos homens”.

Apesar de Jasão afirmar que se casaria com Glauce para assegurar o futuro de seus filhos com Medéia, ela está por demais ferida para ser razoável e começa a tramar sua vingança. Matar o rei? Matar a nova companheira de Jasão? Fingindo humildade, Medéia envia um manto magnífico à rival que, ao ser vestido, incendeia-se, matando Glauce e seu pai, que tentava socorrê-la.

Cega pelo rancor de mulher rejeitada, Medéia usa um punhal e assassina os próprios filhos, indiferente a seus gritos. Exibe, de longe, seus corpos inertes para um Jasão em desespero. Ele implora para abraçar os filhos uma última vez e os sepultar, mas Medéia, no arremate de sua vingança, não permite e foge pelo ar, em um carro guiado por serpentes aladas, presente de seu avô, o deus Hélios (Sol).

“Você lê essa história e pensa: 'Criatura vil e louca, impossível uma mãe chegar a esse extremo'. Será? Será mesmo? O que você diria sobre formas metafóricas de matar os próprios filhos? O que você diria sobre as Medéias modernas?

As Medéias modernas usam as crianças como instrumentos de ataque ao ex-marido. Elas insuflam seus filhos contra ele. Elas envenenam consciências infantis com tormentos que pertencem apenas à história de duas pessoas adultas. Não raro, elas conseguem exterminar ou reduzir drasticamente o convívio das crianças com o pai. Essas atitudes, freqüentemente justificadas como proteção, irão cobrar seu preço no futuro. E que preço alto será!

Em seu supremo egoísmo, as Medéias modernas se disfarçam atrás da natural preocupação que mães tem com seus filhos: 'Estou fazendo isso pelo bem deles!'. A não ser que o ex-marido em questão seja um pedófilo ou alguém com pós-graduação em violência, elas não estão pensando no bem das crianças coisa nenhuma. As Medéias modernas estão fazendo isso por vingança.

Sim, uma criatura vil e louca. Medéia não está tão distante assim, afinal.”

Stella Florence, colunista da Revista Criativa.

Veja também:
  •  Medéia, a feiticeira do amor (Medea), direção de Píer Paolo Pasolini e Maria Callas no papel título.
  • Medea, adaptação para TV de Lars von Triers
  • Gota D´água, peça de Chico Buarque e Paulo Pontes

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