terça-feira, 26 de março de 2013

Estante de Pandora - Rebecca


“Creio que foi a expressão do rosto de Mrs. Danvers que primeiro despertou em mim aquela sensação de inquietude. Instintivamente pensei: ‘Está-me comparando com Rebecca’ – e, aguda qual espada, a sombra surgiu entre nós...” Mrs. de Winter, a segunda.

Rebecca não vive mais quando Daphne du Maurier principia seu romance e os momentos de flashback, em que é retratada viva, não constituem 30% da obra. No entanto, é a senhora do romance, a começar pelo título, traduzido no Brasil simplesmente como “Rebecca”, a força do nome dispensando qualquer apresentação.

Em inglês, língua de origem, a obra intitula-se “Rebecca – A brilliant novel of na unforgettable woman”. A mulher inesquecível. Sua antagonista, a nova Mrs. de Winter, “heroína” do livro, não tem nome próprio. Frente a Rebecca de Winter - a luz - é ninguém, ela sim a sombra.

“Era geniosa, perversa ao extremo. (...) Rebecca era incapaz de sentimentos de amor, de ternura ou decência.” Max de Winter.

Casada há uma semana com Max de Winter, Rebecca revela sua personalidade perversa ao marido que, temendo ver seu honroso nome atirado na lama pelo escândalo, concorda em fazer vistas grossas às aventuras da esposa. Além dos homens que recebe em seu apartamento em Londres, seduz o cunhado, o melhor amigo do marido e mantém um caso durante anos com o primo, na propriedade do marido, Manderley.

“O amor era um jogo para ela, um jogo, apenas. Foi o que me disse muitas vezes. E prestava-se a isso para divertir-se, para rir. Para rir, digo-lhe eu.”, afirma Mrs. Danvers, sua criada particular e confidente. Se Rebecca é o demônio, Mrs. Danvers é sua seguidora mais fiel, que mantém a personalidade de sua ama viva na mansão, intimidando a nova esposa.

Dissimulada, Rebecca conquistava a todos com sua beleza, educação e inteligência. Sabia como agradar cada convidado de sua casa e mantinha homens e mulheres cativos de sua personalidade radiante. A sós com o marido, porém, fazia questão de demonstrar seu profundo desprezo por todos, caçoando e imitando-os, ao mesmo tempo em que aumentava o tormento do marido.

Ao destacarmos Cathy Ames nesta coluna, um aspecto nos parece incoerente: seu suicídio. Rebecca de Winter supera Cathy neste aspecto, convertendo sua morte num último e eterno motivo de tormento para o marido: ao descobrir que está com câncer e, abominando a possibilidade de ficar doente - “Mrs. De Winter com medo? Ela não tinha medo de nada nem de ninguém. Só havia uma coisa no mundo que a preocupava: o pensamento da velhice, de ficar doente, de morrer deitada numa cama.” Mrs. Danvers – planeja a própria morte:

 “ ‘Se eu tivesse um filho, Max, nem você, nem ninguém no mundo poderia provar que não era seu. Cresceria aqui em Manderley, usando o seu nome, sem que você pudesse fazer coisa alguma.’ (...) E, dizendo isto, Rebecca virou-se e olhou para mim, sorrindo, uma das mãos no bolso, outra segurando o cigarro. E ainda sorria quando a matei. Alvejei-a no coração. A bala atravessou-a. ela não caiu imediatamente. Ficou ali, olhando para mim, com aquele sorriso lento nos lábios, de olhos abertos...” Max de Winter.

Max de Winter, atormentado pelos anos de convivência com a dissimulação e a vida dissoluta da esposa converte-se em seu assassino, acreditando que a mesma estivesse grávida. Depois disso, Max não consegue mais viver na própria casa e, quando voltar a se casar, o corpo da esposa morta é encontrando, tornando-o suspeito do assassinato: “Creio que Rebecca me mentiu de propósito. O último blefe. Mentiu-me porque queria que eu a matasse. Previu tudo – por isso é que se riu... por isso ficou ali rindo enquanto morria...”

Mesmo inocentado do crime e afastados de Manderley há anos, Max e a nova Mrs. de Winter não estão livres de Rebecca: “Voltar atrás é impossível. O passado ainda está muito perto de nós, e as coisas que tentamos esquecer nos voltariam à memória, e aquela sensação de medo, de furtiva inquietação, em luta constante para silenciar o pânico desarrazoado – agora vencido graças a Deus! – poderia de uma maneira imprevista tornar-se um companheiro de todos os momentos, como no passado.” Mrs. de Winter, a segunda.

Rebecca foi levada ao cinema pelo mestre Alfred Hitchcock em 1940, conquistando o Oscar de Melhor Filme.

Toques extras de maldade

  • Joan Fontaine, que interpreta a segunda Mrs. de Winter, foi tratada com frieza durante as filmagens por Laurence Olivier (Max de Winter), que queria que o papel tivesse sido dado a sua namorada, Vivien Leigh. Percebendo a frustração de Fontaine com o tratamento recebido por Olivier e sabendo que era exatamente aquele sentimento que ela deveria passar à sua personagem, Hitchcock ordenou que todos nos sets de filmagens fizessem com que ela ficasse tímida e deslocada durante as filmagens, de forma a ajudá-la em sua performance.
  • Você acha que conhece essa história de algum lugar? Pois saiba que Daphne du Maurier foi acusada de plagiar uma autora brasileira: Carolina Nabuco publicou “A Sucessora” em 1934, quatro anos antes de Maurier lançar “Rebecca”. Quem assistiu à novela de mesmo nome exibida pela Rede Globo em 1978, com Suzana Vieira e Rubens de Falco nos papéis principais pode perceber as semelhanças. Um ponto, no entanto, é bastante diferente: Rebecca é uma vilã perfeita, enquanto a primeira esposa criada por Carolina Nabuco não tem a maldade entre suas características.
Para saber mais

Rebecca, de Daphne du Maurier. Tradução de Lígia Junqueira Caiuby e Monteiro Lobato. São Paulo: Abril Cultural, 1981.

Rebecca, a mulher inesquecível. Direção de Alfred Hitchcock. EUA, 1940.

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